Uma pequena cidade do Mato Grosso fundada há apenas 17 anos por assentados do Incra e hoje a segunda maior produtora de grãos do Brasil quer se tornar agora o primeiro município do país a zerar seus passivos ambientais e trabalhistas. Lucas do Rio Verde lançou no início deste mês um projeto inédito que irá mapear no prazo de um ano os quase 365 mil hectares da cidade, dos quais estima-se que 220 mil sejam voltados à soja, o motor da economia local. Para que dê certo, a prefeitura costurou uma aliança também pioneira com Ministério Público Estadual, Secretaria do Meio Ambiente, sindicato rural, organização civil e três representantes da indústria local -
Sadia,
Syngenta e
Fiagril.
O projeto Lucas do Rio Verde Legal pretende regularizar todas as propriedades rurais do ponto de vista do Código Florestal e das leis de trabalho. Na primeira fase, do mapeamento georeferenciado, serão investidos US$ 140 mil, divididos entre as empresas envolvidas. |
"É o primeiro passo, porque nenhuma cidade brasileira tem um cadastro fundiário, um mapa com os limites de propriedades e o que elas fazem", explica João Campari, diretor para o programa das savanas centrais da The Nature Conservancy (TNC), ONG responsável pelo trabalho de campo do projeto. "O que Lucas se propõe a fazer é absolutamente inédito e servirá de exemplo para outros municípios." |
A partir desse mapeamento, as autoridades locais saberão qual o tamanho do passivo ambiental - reservas legais e áreas de preservação permanente não cumpridas e mau uso de agrotóxicos, que afeta solo e água - e trabalhista, como funcionários não registrados e uso de trabalho infantil ou escravo. |
Além de financiar o projeto, Sadia, Syngenta e Fiagril atuarão em suas "áreas de influência", o que significa convencer integrados e clientes a abrir as portas de suas propriedades para que os biólogos da TNC, juntamente com apoio da Secretaria do Meio Ambiente, façam as pesquisas de campo.
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Ao mesmo tempo, as fornecedoras de defensivos agrícolas Syngenta e Fiagril desenvolverão uma série de palestras com os fazendeiros para conscientizá-los sobre o uso correto de agrotóxicos. Esta é considerada uma parte crucial do projeto, após um acidente ocorrido este ano com uma pulverização errada da soja, que, por descuido do produtor, escapou ao controle e atingiu outras espécies. |
"Ninguém fiscaliza. Isso é ruim, porque se o produtor aplica um agrotóxico de forma errada e prejudica o meio ambiente, a imprensa não vai cobrar dele, mas de nós", diz Egidio Moniz, gerente de segurança de produtos da Syngenta. |
A preocupação em fazer Lucas do Rio Verde crescer dentro da lei vem de pressões externas e internas. Por um lado, cresce o coro de compradores internacionais de grãos, sobretudo europeus, para que os produtores brasileiros resolvam seus passivos ambientais. A maior evidência disso veio em julho, quando a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) se comprometeram a comercializar "soja responsável" - no caso, que não avance sobre a Amazônia. |
Pelo lado interno, Lucas parece querer liderar um movimento de mudança de imagem no Mato Grosso, o maior produtor de soja do país e acusado de substituir suas florestas nativas por grãos. |
"No Mato Grosso, a gestão da reserva legal precisa ser tratada, o problema é muito mais sistemático do que a gente podia imaginar", diz Meire Ferreira, diretora do Instituto Sadia de Sustentabilidade. A Sadia, que tem cerca de 200 integrados em Lucas, começa a operar no ano que vem um complexo industrial na cidade, com um abatedouro de aves e outro de suínos. |
Cravada no cerrado, Lucas ocupa 0,04% do território nacional, mas responde por 1% da produção de grãos (750 mil toneladas de soja, atrás de Sorriso) e ocupa 3º lugar no ranking de IDH do país, que mede a qualidade de vida da população: 0,818 (Pnud 2000). |
É uma posição confortável para uma cidade tão nova. Com 25 mil habitantes, a cidade no norte do Mato Grosso nasceu de um assentamento do Incra criado no fim dos anos 70, durante o processo da colonização incentivada pelo regime militar, que pretendia ocupar os "vazios demográficos" do país. |
Os assentados, em sua maioria gaúchos, referiam-se à agrovila que surgia como "a terra do Lucas", um posseiro da região, que ficava perto do rio que por ali passava e acabou dando nome à cidade. "No afã de produzir, eles saíram abrindo a mata", diz a secretária da Agricultura, Luciane Copette. "Agora vamos fazer o dever de casa." |