20 de Dezembro de 2006 - 17h:10

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Município de MT será primeiro a eliminar passivo ambiental

Por: Valor Econômico

Uma pequena cidade do Mato Grosso fundada há apenas 17 anos por assentados do Incra e hoje a segunda maior produtora de grãos do Brasil quer se tornar agora o primeiro município do país a zerar seus passivos ambientais e trabalhistas. Lucas do Rio Verde lançou no início deste mês um projeto inédito que irá mapear no prazo de um ano os quase 365 mil hectares da cidade, dos quais estima-se que 220 mil sejam voltados à soja, o motor da economia local. Para que dê certo, a prefeitura costurou uma aliança também pioneira com Ministério Público Estadual, Secretaria do Meio Ambiente, sindicato rural, organização civil e três representantes da indústria local - Sadia, Syngenta e Fiagril.

O projeto Lucas do Rio Verde Legal pretende regularizar todas as propriedades rurais do ponto de vista do Código Florestal e das leis de trabalho. Na primeira fase, do mapeamento georeferenciado, serão investidos US$ 140 mil, divididos entre as empresas envolvidas.


"É o primeiro passo, porque nenhuma cidade brasileira tem um cadastro fundiário, um mapa com os limites de propriedades e o que elas fazem", explica João Campari, diretor para o programa das savanas centrais da The Nature Conservancy (TNC), ONG responsável pelo trabalho de campo do projeto. "O que Lucas se propõe a fazer é absolutamente inédito e servirá de exemplo para outros municípios."


A partir desse mapeamento, as autoridades locais saberão qual o tamanho do passivo ambiental - reservas legais e áreas de preservação permanente não cumpridas e mau uso de agrotóxicos, que afeta solo e água - e trabalhista, como funcionários não registrados e uso de trabalho infantil ou escravo.


Além de financiar o projeto, Sadia, Syngenta e Fiagril atuarão em suas "áreas de influência", o que significa convencer integrados e clientes a abrir as portas de suas propriedades para que os biólogos da TNC, juntamente com apoio da Secretaria do Meio Ambiente, façam as pesquisas de campo.


Ao mesmo tempo, as fornecedoras de defensivos agrícolas Syngenta e Fiagril desenvolverão uma série de palestras com os fazendeiros para conscientizá-los sobre o uso correto de agrotóxicos. Esta é considerada uma parte crucial do projeto, após um acidente ocorrido este ano com uma pulverização errada da soja, que, por descuido do produtor, escapou ao controle e atingiu outras espécies.


"Ninguém fiscaliza. Isso é ruim, porque se o produtor aplica um agrotóxico de forma errada e prejudica o meio ambiente, a imprensa não vai cobrar dele, mas de nós", diz Egidio Moniz, gerente de segurança de produtos da Syngenta.


A preocupação em fazer Lucas do Rio Verde crescer dentro da lei vem de pressões externas e internas. Por um lado, cresce o coro de compradores internacionais de grãos, sobretudo europeus, para que os produtores brasileiros resolvam seus passivos ambientais. A maior evidência disso veio em julho, quando a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) se comprometeram a comercializar "soja responsável" - no caso, que não avance sobre a Amazônia.


Pelo lado interno, Lucas parece querer liderar um movimento de mudança de imagem no Mato Grosso, o maior produtor de soja do país e acusado de substituir suas florestas nativas por grãos.


"No Mato Grosso, a gestão da reserva legal precisa ser tratada, o problema é muito mais sistemático do que a gente podia imaginar", diz Meire Ferreira, diretora do Instituto Sadia de Sustentabilidade. A Sadia, que tem cerca de 200 integrados em Lucas, começa a operar no ano que vem um complexo industrial na cidade, com um abatedouro de aves e outro de suínos.


Cravada no cerrado, Lucas ocupa 0,04% do território nacional, mas responde por 1% da produção de grãos (750 mil toneladas de soja, atrás de Sorriso) e ocupa 3º lugar no ranking de IDH do país, que mede a qualidade de vida da população: 0,818 (Pnud 2000).


É uma posição confortável para uma cidade tão nova. Com 25 mil habitantes, a cidade no norte do Mato Grosso nasceu de um assentamento do Incra criado no fim dos anos 70, durante o processo da colonização incentivada pelo regime militar, que pretendia ocupar os "vazios demográficos" do país.


Os assentados, em sua maioria gaúchos, referiam-se à agrovila que surgia como "a terra do Lucas", um posseiro da região, que ficava perto do rio que por ali passava e acabou dando nome à cidade. "No afã de produzir, eles saíram abrindo a mata", diz a secretária da Agricultura, Luciane Copette. "Agora vamos fazer o dever de casa."
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