26 de Outubro de 2007 - 12h:21

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União deixa de gastar 23,6% da CPMF, mostra estudo

O nível de recursos não aproveitados, segundo o estudo, variou de 18,5% , em 2006, a 26% em 2004
Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que do total de recursos arrecadados de 2001 a 2006 com a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), em média 23,63% não foram efetivamente gastos pela União. O nível de recursos não aproveitados, segundo o estudo, variou de 18,5% , em 2006, a 26% em 2004. Os pesquisadores consideraram a arrecadação efetiva de CPMF em cada ano, já descontados os valores da Desvinculação das Receitas da União (DRU). A DRU corresponde a 20%, percentual que o governo federal pode aplicar livremente sobre o total de receitas arrecadadas.

A "economia" com os recursos da CPMF não ocorreu apenas por uma dificuldade do governo em efetivamente realizar a previsão de gastos. Entre o total disponível à União e os gastos planejados, os pesquisadores também encontraram uma defasagem considerada grande - média de 20,99%. Os valores recolhidos com CPMF têm destinação específica. Do 0,38% de alíquota atual, 0,2% devem ser aplicados em saúde, 0,1% para o custeio da Previdência Social e 0,08% no Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.

Coordenada por Eurico Marcos Diniz de Santi, professor da GV Law, a pesquisa do núcleo de tributação e finanças públicas da Escola de Direito da FGV de São Paulo teve como objetivo verificar a destinação efetiva da CPMF do ponto de vista do cidadão comum. "Utilizamos os dados disponibilizados ao público pelo Senado", explica de Santi. A destinação dos recursos foi acompanhada com base nos dados do programa "Siga Brasil" , dentro do site "Portal do Orçamento" mantido pelo Senado.

"Os dados permitem concluir que parte significativa dos recursos disponíveis à União relativos à CPMF não foram devidamente aproveitados", diz Tathiane dos Santos Piscitelli, responsável pela pesquisa. "Provavelmente esses recursos represados compõem o superávit primário do governo federal", conclui. "Qual a real necessidade de toda a arrecadação da CPMF se os recursos não são efetivamente aplicados?", questiona o professor de Santi. Também participaram do levantamento os pesquisadores Daniel Monteiro Peixoto e Maria Eugênia P. Fortunato.

Tathiane explica que a pesquisa levou em consideração a receita efetivamente arrecadada com base nos dados da Receita Federal e, do lado das despesas, os valores efetivamente pagos. "Estudamos um período longo exatamente porque as receitas arrecadadas num determinado exercício não são necessariamente utilizadas integralmente no mesmo ano", diz Tathiane.

Segundo a pesquisa, em todo o período de 2001 a 2006, houve destinação de recursos sem base legal (ver quadro). Em 2004, R$ 633,14 milhões teriam sido usados pelos ministérios da Educação, Defesa e Desenvolvimento sem previsão legal. Ou seja, sem que a aplicação estivesse baseada em lei orçamentária ou em outras leis que determinaram créditos adicionais, suspensões ou remanejamentos. O valor representou 4,04% dos recursos de CPMF que foram efetivamente gastos. Em 2005, os recursos usados sem autorização de leis orçamentárias atingiram 6,85% da arrecadação de CPMF efetivamente aplicada.

O professor Amir Khair, especialista em contas públicas, lembra que, embora aplicado em outros ministérios que não o da Saúde, os recursos podem ter sido direcionados para a "função saúde", já que outros ministérios podem ter projetos relacionados ao setor. Ele lembra também que o orçamento permite créditos adicionais e remanejamentos até determinados limites, sem necessidade de lei. "Os valores podem ter sido usados até mesmo em programas de saúde ou de combate à pobreza, como prevê a destinação constitucional, mas foram usados sem autorização", diz Tathiane. "Como a CPMF é um tributo com destinação específica, toda aplicação desses recursos deve ter como base uma lei", argumenta de Santi. Segundo ele, é a fundamentação em lei que torna transparente a aplicação de um recurso carimbado.

Pela pesquisa da FGV, em 2006, por exemplo, a União tinha R$ 25,61 bilhões em recursos disponíveis de CPMF, já descontada a DRU. Desse montante, apenas R$ 20,89 bilhões tiveram despesa autorizada nas leis orçamentárias. Desse total, R$ 14,16 bilhões seriam destinados ao Ministério da Saúde e R$ 6,75 bilhões para o Ministério da Previdência. O estudo diz, porém, que os ministérios da Educação e da Defesa também receberam verbas provenientes da arrecadação da CPMF. "Foram R$ 556,15 milhões sem autorização em leis orçamentárias, o que representa 2,77% dos valores gastos com origem na CPMF", diz Tathiane. "Nesses dois ministérios os valores foram gastos com despesas com material de uso e consumo e com terceirização de serviços."

"Não é possível enxergar se os gastos com despesas de material e com terceirização de serviços estão ligados a projetos da área de saúde", diz de Santi. "Há muito pouca transparência para o cidadão comum sobre a destinação da CPMF."

Dentro do período analisado, o de 2005 foi o que apresentou uma diversidade maior de ministérios na destinação da CPMF. O estudo da FGV diz que naquele ano os ministérios da Educação, Defesa, Justiça, Fazenda, Planejamento, Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia e Trabalho teriam recebido valores da CPMF sem previsão em lei orçamentária. O valor total distribuído a esses ministérios teria sido de R$ 1,15 bilhão.

Procurado, o Ministério do Planejamento diz, pela assessoria de imprensa, que não existe hipótese de aplicação dos recursos da CPMF fora dos destinos previstos na Constituição Federal. Em relação ao superávit primário, a assessoria diz que no fechamento do ano é possível que os recursos não tenham sido integralmente executados, gerando contabilmente um superávit. Nesses casos, porém, os recursos são utilizados no início do ano seguinte.

Segundo a pesquisa da FGV, do valor efetivamente gasto pelo Ministério da Saúde, praticamente a totalidade cobre despesas correntes e uma parcela muito pequena é aplicada em investimentos. Do período estudado, o índice mais alto de investimento dentre os recursos efetivamente gastos da CPMF aconteceu em 2005, com 0,62%.

Raul Velloso, especialista em contas públicas, diz que esse direcionamento para as despesas correntes é o esperado quando-se refere à saúde. Grande parte dos gastos da pasta, explica ele, está na manutenção do Sistema Único de Saúde (SUS), o que gera despesas contabilizadas na rubrica de gastos correntes.

Tathiane lembra que a CPMF foi criada em 1996. Originalmente seus recursos tinham como destino único a saúde, mas sucessivas prorrogações também ocasionaram aumento de alíquota e o surgimento de outras finalidades. O problema, diz ela, é que a previsão constitucional, no caso da saúde, é muito ampla. "Falou-se simplesmente em saúde, o que permite a aplicação para diversas despesas que tenham alguma ligação com esse setor."

O estudo sobre a destinação da CPMF deve ser apresentado amanhã em evento da Escola de Direito da FGV.

Fonte: InfoBiP


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