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A crise pode se tornar mais grave para os emergentes

Valor Econômico - Fabio Susteras

Havia um famoso esquete humorístico criado por Max Nunes em que contracenavam dois primos: um rico, interpretado por Paulo Gracindo, e outro pobre, interpretado por Brandão Filho. O primo pobre sempre sofria durante a encenação. Ao final das cenas, sempre humilhado e sem poder desfrutar das regalias do outro, o pobre saía com a mesma frase: "Primo você é óóóóótimo!" O momento atual da crise internacional faz lembrar essa comédia. 

Passada (ou ao menos encaminhada) a crise financeira depois de bilionários pacotes que garantem a injeção direta de capital, a limpeza de ativos podres, a garantia nos mercados interbancários e a segurança dos depósitos dos correntistas, agora é a hora de os governos de países desenvolvidos se armarem contra a outra crise: a da economia real. É nesse momento que se fala de coisas como políticas fiscais anticíclicas, que significam redução de impostos e aumentos de gastos públicos. O objetivo é injetar mais recursos na economia com a esperança que esse dinheiro gire e produza crescimento econômico. 

O fato é que os países desenvolvidos passam por um grande teste de confiança por parte dos consumidores e das empresas. As pessoas viram ruir seu patrimônio por meio da queda do preço dos seus imóveis e da sua poupança mantida em ativos financeiros - que despencaram. Portanto, é natural que desconfiem do futuro e que pensem duas vezes antes de gastar. Mesmo aqueles que querem consumir encontram dificuldades para obter crédito, já que os bancos, machucados com a crise financeira, estão mais conservadores, mais rígidos e cobrando mais caro pelos empréstimos que concedem. Nesse cenário, as empresas temem a queda da demanda e deixam de investir. Aí entra o Primo Rico (que pode atender por governo): injeta dinheiro, produzindo demanda e reaquecendo os planos de investimento das empresas, que recontratam as pessoas. Os empregados, com dinheiro no bolso, gastam e giram a roda da economia. 

No entanto, além do Primo Pobre (conjunto dos países emergentes) ter sofrido com o "kit crise" - queda no preço das commodities, fuga de dólares, enxugamento dos recursos externos e pressão na balança de pagamentos, que traz à tona a questão da vulnerabilidade externa, seja do setor público por conta da dívida externa, seja do setor privado, agravado pelo uso especulativo de derivativos cambiais -, paradoxalmente os emergentes têm sua condição agravada pelas medidas adotadas por seu Primo Rico. Afinal, com todos esses pacotes de estímulo econômico, tem sido mais vantajoso aos agentes retornarem seus recursos aos EUA e Europa do que mantê-los nos países em desenvolvimento. 

É claro que mesmo entre os Primos Pobres há aqueles num momento mais confortável. É o caso da China, que recentemente divulgou um conjunto de ações para injetar na economia US$ 586 bilhões. Mas miremos aqueles países cuja situação fiscal não está assim tão "folgada". 

No caso brasileiro, é bom lembrarmos que um dos canais de transmissão da crise tem sido a inflação oriunda da desvalorização do real ante o dólar. Portanto, estímulos monetários e fiscais podem colocar mais lenha na fogueira inflacionária. Nesse ponto, é bom lembrar que o país ainda deve buscar o cumprimento de suas metas fiscais para não ver prejudicada a credibilidade que a muito custo foi conquistada. Ainda mais porque, no ano que vem, a arrecadação será prejudicada por conta de uma menor atividade econômica e porque alguns gastos importantes, como os da folha de pagamento do setor público, não serão reduzidos. 

Assim, conclui-se que as ajudas dadas pelas economias ricas pioram a condição dos países em desenvolvimento. É claro que uma vez normalizada a atividade dos países centrais, o impacto nos demais pode ser positivo. Porém, no curto prazo, os primos pobres tendem a sofrer com o pacote dos primos ricos, sem falar em países emergentes que não têm uma condição fiscal sustentável e que podem ser tentados a fazer grandes dispêndios públicos numa atitude mimética. A crise criada pelos países desenvolvidos, que nesse momento afeta a todos, pode se tornar mais grave para os emergentes, graças aos programas de salvamento da economia bancados pelos Primos Ricos. Primo você é óóóóótimo! 


Fabio Susteras é consultor de investimentos do Banco Real Private Banking 


Fonte: ERS Consultoria & Advocacia

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