28 de Julho de 2008 - 16h:18

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Uso de Delaware está em xeque

Continua grande a movimentação no mercado em função da ampliação do conceito de paraíso fiscal promovida pela conversão da Medida Provisória nº 413 em lei e pelo fato de a Receita Federal estar colocando em xeque as estruturas societárias que passam por Delaware, nos Estados Unidos, e que são constituídas como "Limited Liability Company" - as chamadas LLC. Mesmo sem uma regulamentação do fisco, advogados já estudam novas estruturas para seus clientes, deixando uma alternativa à mão caso as LLCs sejam de fato emplacadas na lista de paraísos fiscais. O objetivo é evitar que as empresas e fundos passem a ter que pagar uma alíquota maior de Imposto de Renda na remessa de ganhos de capital ou juros, ou até mesmo tenham que cumprir regras de preço de transferência na venda de ações.

Para se ter uma idéia da disseminação do uso de estruturas societárias por meio de Delaware, somente entre companhias de capital aberto que entregaram documentos contábeis à Comissão de Valores Mobiliárias (CVM) neste ano há pelo menos 60 delas que têm um ou mais sócios em sua estrutura que são LLCs. O empresário Eike Batista, por exemplo, é dono da OGX Petróleo e Gás por meio de uma estrutura instalada em Delaware. O principal acionista da OGX, com mais de 60% do capital, é o Centennial Mining Fund LLC, que por sua vez tem como um dos principais sócios o próprio Batista, segundo consta nos dados encontrados na CVM. Procurada pelo Valor, a companhia não quis falar sobre o uso destas estruturas.

O GP Investimentos é outro grande usuário de estruturas LLCs. Boa parte das empresas de participações montadas pelo GP têm como sócios LLCs. Em seu balanço, o grupo informa ainda que a própria Churrascaria Fogo de Chão é uma empresa constituída em Delaware. Outra empresa importante é a B2W, resultante da fusão entre Americanas.com e Submarino, que entre os principais sócios têm a Companhia Brasileira de Varejo LLC. As empresas também não quiseram comentar o assunto.

A disseminação do uso dessas estruturas com o objetivo de se fazer um planejamento tributário foi o que deixou o fisco em alerta, e fontes do alto escalão da Receita Federal confirmam que o objetivo de mudar a lei era pegar parte dessas estruturas localizadas em Delaware. Oficialmente, no entanto, o fisco ainda não se manifestou, e procurado pela reportagem, não quis se pronunciar sobre o assunto. Entre os advogados, as dúvidas ainda são muitas, justamente por não saberem como o fisco dará tratamento a esses casos em função da entrada em vigor da Lei nº 11.727.

Os fundos de private equity, por exemplo, mesmo que LLCs, estariam protegidos quando investem via Resolução nº 2.689 do Banco Central no mercado de capitais brasileiro. Além disso, o advogado Celso Costa, do escritório Machado, Meyer, diz que mesmo as holdings que poderiam ser afetadas podem espontaneamente abrir sua composição societária ao fisco e, com isso, evitar que sejam enquadradas como operações de paraísos fiscais. Isso porque a inclusão do parágrafo 4º no artigo 24 da Lei de Preços de Transferência - a Lei nº 9.430, de 1996 - amplia o conceito de paraíso fiscal ao determinar que também considera-se país ou dependência com tributação favorecida aquele cuja legislação não permita o acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas, à sua titularidade ou à identificação do beneficiário efetivo de rendimentos atribuídos a não-residentes.

O advogado Richard Winston, do escritório americano Hughes Hubbard & Reed, diz que apesar de as estruturas LLCs não obrigarem à abertura da composição societária, não existe na legislação americana dispositivo que não permita esse acesso. O advogado afirma que o fisco pode obter essas informações por meio de quebra de sigilo bancário, por exemplo: ou o próprio Ministério da Justiça dos Estados Unidos ou a SEC (a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos) poderiam exigir essas informações. Para o fisco brasileiro, no entanto, não está tão clara essa facilidade do fisco americano em obter essas informações, diante de LLCs que tenham sócios estrangeiros - como brasileiros, por exemplo.

Os advogados brasileiros também se apegam ao fato de, juridicamente, essas estruturas estarem protegidas, já que a legislação americana não proíbe expressamente a abertura da composição societária. A advogada Andréa Bazzo, do escritório Mattos Filho, pondera, entretanto, que se o fisco incluir essas estruturas na lista negra dos paraísos fiscais, na prática pode atrapalhar as operações. Isso porque, na remessa de recursos, por exemplo, as instituições financeiras vão acabar retendo a alíquota de 25% de Imposto de Renda se as LLCs entrarem na lista. "Esse novo conceito não atingiu os investimentos estrangeiros, mas dá margem para o fisco estender o enquadramento", diz Andréa. "O fisco encontrou o caminho das pedras."

Há uma série de outras leis que fazem referência à Lei de Preço de Transferência e ao conceito de paraíso fiscal por ela estabelecido. Alguns advogados acreditam que a Lei nº 9.559, que define que remessa de royalties a paraísos fiscais deve ser tributadas a uma alíquota de 25%, por exemplo, não seria afetada, apesar de fazer referência ao artigo 24. Já em relação à lei que trata da remessa de ganho de capital não há discussão. Mas existe ainda uma grande dúvida em torno do artigo 24-A, acrescentado na Lei de Preço de Transferência e que amplia ainda mais o conceito de paraíso fiscal, mas que afetaria somente as empresas que precisam seguir regras de preço de transferência. O problema é que o fisco entende que a transferência de ações entre empresas relacionadas cai na regra de preço de transferência, que exige um lucro mínimo a ser tributado no país. A regra diz ainda que se essa transferência se dá com empresas localizadas em paraísos fiscais, é preciso auferir um lucro mínimo no Brasil.

Josette Goulart, de São Paulo

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