11 de Dezembro de 2006 - 14h:52

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Salários efetivos são superiores aos nominais, destaca especialista

Propostas de redução dos encargos sobre a mão-de-obra, substituindo-os por impostos indiretos sobre o faturamento, são equivocadas. Ao contrário da peça de Pirandello, assim não é como lhe parece.

Por: Valor OnLine - Claudio Haddad

Pela teoria econômica, a remuneração do trabalho é dada por sua produtividade marginal. Embora esta proposição seja válida a médio e longo prazo, os economistas reconhecem que, na prática, vários fatores podem acarretar desvios, por algum tempo, entre aquelas duas variáveis. Tais desvios tendem a ser tão maiores quanto mais especializada for a mão-de-obra para a empresa.

Dessa forma, alterações exógenas, não esperadas, na relação de trabalho, como, por exemplo, benefícios adicionais impostos pelo legislador, demoram algum tempo para serem absorvidas pelo mercado, seus efeitos sendo mais rápidos no segmento de trabalhadores menos educados, menos treinados, com menos experiência e, portanto, mais facilmente substituíveis pela empresa.

A remuneração relevante para o trabalhador não é apenas o salário nominal, mas sim o valor de tudo que ele tem a receber referente ao seu contrato de trabalho, quer da empresa quer do governo. Já para a empresa, o custo relevante é tudo o que ela espera pagar, acrescido dos impostos devidos. A diferença entre os dois iguala a cunha fiscal, que é custo para a empresa, mas que não se reflete em remuneração efetiva ao trabalhador.

A forma de remuneração do trabalhador varia de país a país. Nos Estados Unidos, tende a ser muito simples, um salário mensal, normalmente estipulado em termos anuais, um ou outro benefício, desconto da previdência social e ponto. Aqui no Brasil o pacote é complexo: 13 salários, adicional de férias, diversos tipos de tíquetes, auxílios e vales, descontos para poupança forçada, como PIS, FGTS, contribuição sindical e sistema S, além do INSS. A lista de descontos e benefícios é extensa, para gáudio dos profissionais e advogados especializados na área.

Independentemente do nome que se dê, todos esses itens podem ser classificados como parte da remuneração ou como custo efetivo, pago pela empresa, mas não absorvido pelo trabalhador. Na primeira categoria estão todos os benefícios diretos, décimo-terceiro, adicional de férias, vales, tíquetes, auxílios, seguros etc.

Na segunda categoria está tudo aquilo que o trabalhador paga, mas não se apropria integralmente, como a contribuição sindical, a do sistema S, o PIS (boa parte da qual é transferida através do FAT como subsídio às empresas) e o FGTS (que tende a ser eventualmente sacado, mas com perda de juros face às taxas de mercado). O valor desses descontos está em torno de 13,5% do salário pago, dos quais talvez metade seja recuperada ao longo do tempo, sobrando, pois, uns 6% a 7% de encargo efetivo.

Quanto ao INSS, o grau de "encargo" varia com o salário. Para salários entre o mínimo e o teto de aposentadoria, ele é nulo. Isso porque, mesmo descontando o caráter em parte assistencial da Previdência, o fato é que ela é estruturalmente deficitária. As regras são tão generosas que o desconto nesta faixa salarial, acrescido da cota patronal, não seria capaz de bancar o fluxo futuro de benefícios, acrescido dos seguros embutidos, de invalidez e de vida. Este, aliás, é o cerne de nosso problema previdenciário. Regras generosas demais para a realidade do país. Mas a contrapartida é que, nesta faixa salarial, onde se situa a grande maioria dos trabalhadores formais, os descontos do INSS, por serem mais do que recuperados no futuro pela aposentadoria, tampouco podem ser denominados "encargos".

À medida que o salário recebido ultrapassa o teto de aposentadoria, a cota patronal se torna cada vez mais um encargo efetivo. Na realidade, este imposto permite a subvenção parcial da previdência rural, da previdência mínima e das regras generosas para os demais participantes do sistema. Não à toa, é justamente nesta faixa que o movimento de terceirização de profissionais, trocando a relação trabalhista de pessoa física para jurídica, é o mais intenso.

Portanto, os supostos encargos, que, obtidos pela soma dos itens mencionados anteriormente, ficam perto de 100% do salário, para a grande maioria dos trabalhadores nada mais é do que um mito. A contrapartida é que os salários efetivos no Brasil são, em média, muito superiores aos nominais.

Os problemas do mercado de trabalho no Brasil não vêm daí. Eles decorrem de um salário mínimo elevado e incompatível com a realidade brasileira, da informalidade da relação trabalhista provocada pela sonegação de outros impostos, da excessiva rigidez dos contratos de trabalho e do uso excessivo da Justiça do Trabalho, que, tanto em acordos quanto em sentenças, tende a ter um viés em prol do reclamante e a ignorar os impactos fiscais sobre as partes interessadas, incentivando o litígio.

Ora, se os encargos são muito menores do que parecem, qual o efeito de substituí-los por impostos indiretos sobre o faturamento das empresas, conforme é proposto de vez em quando? O primeiro efeito é dar um subsídio à contratação de mão-de-obra, beneficiando principalmente as faixas salariais mais altas, que não mais terão o desconto da cota patronal em seu salário. Tal efeito, no entanto, é compensado pelo impacto negativo sobre a produção, o investimento e o emprego que o novo imposto sobre o faturamento acarretaria.

Além de ser mais um imposto indireto em cima de uma estrutura que já abusa dessa forma de tributação em cascata, o novo imposto incidiria mais sobre os setores intensivos em capital e sobre as empresas eficientes, que conseguiram obter maiores ganhos de produtividade de mão-de-obra do que suas congêneres. Na situação atual, onde é crucial investir mais e ser mais eficiente, esta substituição traria um novo obstáculo ao crescimento, revertendo contra aqueles que visava beneficiar.

O montante de encargos sobre a folha salarial e o suposto imposto sobre o emprego de mão-de-obra que ele acarretaria são falsos problemas. Não vamos criar mais um monstrengo para corrigir uma distorção que não existe.


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