Inúmeros empresários do país poderão deixar de responder a processos criminais pelo não-repasse de contribuições previdenciárias, descontadas dos funcionários, ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). A possibilidade poderá ocorrer se um precedente aberto no mês de março pelo Supremo Tribunal Federal (STF) passar a ser o entendimento recorrente na Justiça no país. A corte, ao confirmar um julgamento do ministro Marco Aurélio de Mello, entendeu ser a apropriação indébita um crime material - o que, em outras palavras, quer dizer que, para que o empresário ou representante da empresa seja responsabilizado criminalmente, deverá ficar comprovado que ele utilizou a contribuição não-recolhida em proveito próprio - como na compra de bens, por exemplo. Assim, o empresário deixa de responder por crime pelo mero não-repasse das contribuições em função das dificuldades financeiras da empresa. Atualmente, há milhares de inquéritos criminais abertos em razão do não-repasse das contribuições sem que neles se discuta a apropriação do dinheiro para uso próprio pelo empresário. Este tem sido o entendimento, por exemplo, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema em diversos casos. |
No mesmo julgamento, o Supremo entendeu ser necessário ocorrer a finalização do processo administrativo, onde se discute o débito com o INSS, para que um inquérito criminal possa ser aberto contra o contribuinte. De acordo com o advogado Renato Nunes, do escritório Nunes e Sawaya Advogados, neste sentido a decisão do Supremo também é importante, porque o STJ tem vários precedentes no sentido de que não é necessária a conclusão do processo administrativo em que se impugna os débitos previdenciários para que seja proposta uma ação penal por crime de apropriação indébita de contribuições previdenciárias. |
"Esta decisão vai dificultar as ações penais, pois o Ministério Público terá de provar que o dinheiro existia e que o empresário usou para si mesmo. O número de ações no futuro poderá cair", afirma o advogado criminalista Roberto Delmanto, sócio do escritório Delmanto Advocacia Empresarial. Ele também entende que, se prosperar este entendimento, poderá ocorrer o trancamento de inúmeras ações penais pelo fato de o Ministério Público não ter comprovado a "apropriação" do dinheiro não repassado. O criminalista Renato Vieira, do escritório Kehdie Veira, afirma que, ao ser necessário comprovar o que se chama de "inversão da posse do bem", ou seja, o uso próprio do dinheiro não recolhido ao INSS, os empresários terão mais segurança em suas defesas. |
De acordo com o advogado sócio da área criminal do escritório Demarest Almeida, Luiz Carlos Torres, a decisão cria um precedente importante para os empresários, que poderão, a partir de agora, defender-se com mais fundamento. Porém, segundo ele, é necessário que esta tendência seja confirmada em outros julgados do Supremo para tornar-se mais firme. E que as instâncias inferiores passem a aplicar o mesmo entendimento. O advogado afirma que sempre existiu a discussão no Judiciário sobre se, para que se configure um crime, há a necessidade de comprovação da apropriação do dinheiro pelo empresário que o usaria para fins pessoais, como por exemplo, fazer uma viagem para o exterior. Segundo ele, grande parte das autuações e inquéritos refere-se a empresas com problemas econômicos, que descontaram contabilmente o montante devido ao INSS do empregado, mas que não o repassaram por não terem dinheiro suficiente em caixa. "Isto não constitui infração penal e sim tributária", defende Torres. De acordo com Renato Vieira, a pena para o crime por apropriação indébita varia de dois a cinco anos de reclusão, além de multa. Porém, se condenado, e dependendo do caso, o empresário poderá cumprir penas alternativas, como prestação de serviços a comunidades. |
O advogado tributarista Yun Ki Lee, sócio do escritório Dantas, Lee, Brock & Camargo Advogados, acredita que tem ocorrido uma interpretação mais flexível das normas que tratam de crimes contra a ordem tributária. Atualmente, em diversas situações, se o empresário pagar o débito, o crime deixa de existir. A Lei nº 9.294, de 1995, por exemplo, extingue a punibilidade do crime quando há o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia. No caso da Lei nº 10. 684, de 2003, que criou o Parcelamento Especial (Paes), há a suspensão do processo e da prescrição se o empresário parcelar o débito junto ao fisco. Também a jurisprudência tem extinto a ação judicial já existente se o débito devido é quitado pelo contribuinte. |